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Terapeuta de mim mesmo, um forasteiro, estrangeiro e aventureiro da existência que escolheu alguns caminhos e o veículo certo para percorrer estes caminhos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Meu amigo Cantuária


Nos anos oitenta, eu trabalhava em uma loja de roupas na Rua Barão de Itapetininga, perto da Praça da República, um lugar pitoresco que outrora era conhecido como a “boca do luxo”, perto da “boca do lixo”, mas na época em que eu trabalhava na “Barão”, era conhecida apenas como a “boca do lixo”, esta unificação das bocas era pelo fato do centro ter virado um lixo, um abandono dos políticos da cidade, pois a atenção era para outras regiões mais nobres da cidade.

O centro da cidade de São Paulo, além da poluição latente e o cinza que decorava os arranha-céus, outro grande detalhe era a notável pressa das pessoas, corriam para ir ao trabalho, corriam para almoçar, para lanchar e para ir embora, sempre estavam atrasadas, correndo atrás do tempo, suas vidas eram ajustadas com os ponteiros dos relógios, nunca tinham tempo para nada e deixavam a vida para depois.

Eu acabava me divertindo com as figurinhas carimbadas que por felicidade eu conhecia pessoalmente ou por observar. Desde aquela época eu tinha interesse nas crônicas desta cidade que não para nunca.

Destas figurinhas carimbadas, me lembro com saudades de uma figurinha em especial, a de um amigo, ele era uma figurinha rara, destas figurinhas que só ouvimos dizer e que duvidamos que exista realmente. Ele um eletricista de mão cheia e seu nome Cantuária. O Cantuária, além de excelente profissional, era uma ótima companhia, gostava de um bom papo, ele, morador do bairro do Pari, vinha com várias estórias divertidas de sua juventude no bairro, mas nem tudo era divertido na vida deste amigo, ou na vida dos seus amigos.

Certa vez um outro eletricista, um grande amigo do Cantuária apareceu na loja e estava um tanto cabisbaixo e nos falou:

- Tenho uma notícia triste para todos.

Ficou o suspense no ar.

- O que foi? Todos falaram em uníssono.

- O Cantuária faleceu!

Todos ficaram comovidos com a notícia, logo o “Cantu”, essa era à maneira de seus amigos mais chegados o chamarem. Gostaria que os leitores entendessem, todos tinham o direito de morrer, mas o “Cantu” não.

A comoção foi geral, mesmo aqueles que não conheciam o Cantuária, ficaram tristes, pois ele era uma lenda viva, agora morta, na loja.

Recolhemo-nos em luto em memória do amigo “Cantu”, estávamos realmente tristes.

Lembro-me que o seu grande amigo, começou a fazer o trabalho da parte elétrica na loja.

Todos queria saber, quando e a causa do falecimento, mas infelizmente seu amigo, e digo mais, eles eram grandes amigos, não sabia nos dizer com detalhes, também soubera de terceiros o triste fato.

Passado um ano, todos na loja superaram a dor da perda de um amigo querido.

Um ano depois, às vésperas do natal, a loja abarrotada de pessoas, uma loucura, onde quem estava fora não entrava e quem estava dentro quase que não saia, e toda esta loucura era para comprar os presentes para os entes queridos. No ponto alto das vendas, quando estávamos todos ocupados em mostrar, embrulhar, cobrar e entregar as roupas, todos escutaram um grito.

- Meu Deus! Era o grito estridente da vendedora que ficava perto da porta, logo em seguida ela caiu desmaiada.

- Corremos para acudi-la e ela estava pálida, parecia ter visto um fantasma, e foi isso que ela falou apontando para a porta. Era o Catuária, o nosso “Cantu”, ou alguém muito parecido, um irmão gêmeo, um primo distante.

Criei coragem e fui perguntar a este senhor o quê ele desejava. Para meu espanto e felicidade, era o próprio, vindo do mundo dos mortos, ressuscitava naquele natal e estava nos visitando.

Ele veio cheio de alegria, era o velho Cantuária, mais vivo que muitos julgam estar, me deu um abraço e fui logo perguntando.

- É você mesmo ou um fantasma?

Era o velho “Cantu” vivo.

Contamos toda a estória e soubemos que aquele grande amigo do Cantuária, era um amigo da onça, ele tinha espalhado a morte do amigo em dezenas de lugares, para ficar com o trabalho do Cantuária, mesmo morto o “Cantu” zombava de nós e aquele seu “amigo” desapareceu, nunca mais foi visto, sempre que encontrávamos o Cantuária, relembrávamos o ano em que ele morreu, com esta estória cheguei a uma conclusão: amigos nunca morrem.


sábado, 23 de abril de 2011

Cabelo, o camelo da Índia

(Para o meu cunhado Guilherme)

A proposta feita estava quase se concretizando, mas ele não conhecia nada de camelos, a princípio achou que era uma brincadeira de seu querido tio, porém era realmente sério.

Dois anos antes, a idéia de ir para a Índia foi e divulgada para toda família, em um almoço com todos os membros. Aquele ato foi uma loucu
ra, uma afronta, para uma família de respeito e tradicional, todos se calaram e não levaram a sério tal declaração, porém pairava no ar certo clima que se instalou no recinto, um silêncio assustador, secretamente, todos naquela mesa pensavam no comentário de segundos atrás. O silêncio foi se tornando perturbador, podia escutar o eco dos pensamentos mais íntimos daqueles que não conseguia manter o segredo trancado, aumentando assim os ruídos que vinham dos dentes nos talheres que se tocavam através de gestos repetitivos de quem perdeu o apetito.

O apetite foi perdido e não seria encontrado facilmente, foi quando por de trás de um deserto de julgamentos e analises, ouviu se uma voz real, não a imaginação de um recinto silencioso, era de um certo tio que acertadamente não conseguiria trancar o silêncio por muito tempo, ele era bem diferente das pessoas que estavam sentados ao redor daquela mesa farta, e sem interesse na fartura, todos pararam para ouvir o que aquela voz vinda do deserto estava dizendo:

-Puxa! Gostei, vou te dar um camelo de presente.

Sempre que pairava uma seriedade, ele vinha alegre e quebrava a atmosfera séria, difícil era saber se ele falava sério ou não, um enigma que acabava levantando o moral de todos, em busca do apetite perdido.


Quase dois anos se passaram e o dilema do camelo continuou, já estava do tamanho de um elefante, ainda bem que era um camelo. No Brasil, ele não compraria camelo algum, na Índia, sim. Ele sabia que teria de ir a algum mercado de camelos, uma árdua tarefa, para alguém que apenas viu camelos na televisão ou no zoológico, ainda assim poderia confundir com dromedário, quem teria duas corcovas, camelo ou dromedário? Ou seria melhor esquecer a estória toda de camelo?


Não conseguiria esquecer a estória, pois estava próximo da viagem, alguns meses o separava da viagem e do sono perdido, nas longas noites de insônia, não se contava mais carneirinhos, agora contava-se camelinhos.


Faltava um mês para a viagem se realizar, foi quando seu querido tio faleceu, subitamente sem avisar que estava de partida para uma outra viagem, um baque para todos, foi uma tamanha tristeza que se abateu que ele quase desistiu da sonhada viagem, pensou muito e decidiu ir mesmo assim, pois seu tio tinha lhe incentivado desde o começo, iria juntamente com a memória do tio.


Agora faltava semanas, estava quase pronto para partir rumo ao oriente, a tristeza do tio foi sendo substituída pela ansiedade da viagem, seu tio ás vezes ecoava em sua memória.


Faltando agora, seis dias, quando veio uma notícia por meio de um oficial de justiça, uma herança deixada pelo seu querido tio, ele tinha lhe deixado como herança, um camelo de presente, na Índia. Foi um espanto geral na família, quase um escândalo, mesmo depois de morto o tio zombava de todos, não apenas no dia de seu enterro, quando podia-se observar um certo sorriso maroto, até chamaram o funcionário para corrigir aquele sorriso zombeteiro e mesmo o funcionário não poderia suspeitar o motivo daquele sorriso, meses depois, as pessoas entenderia o porquê do sorriso, mais uma vez estava zombando de todos e deixando o sobrinho assombrado e feliz.

No documento trazido pelo oficial de justiça, dizia respeito de uma compra feita na Índia, por um amigo de Marrocos que tinha contatos com pessoas na Índia e por sua vez compraram o camelo, uma longa jornada para se comprar um camelo, que agora lhe pertencia, dois anos atrás era pura diversão, agora era real.


A viagem foi cansativa, chegando bem e salvo ao pais dos marajás, dos miseráveis, dos homens santos, da miséria e da riqueza, tanto material, quanto espiritual, no oriente, na Índia. Um pais, não para entender e sim para viver, um pais de montanhas e desertos e principalmente de camelos.


O camelo era e continua sendo reverenciado pelas famílias que vivem no deserto, o motivo é que nos tempos de guerra, se cantava e agradecia aos camelos por trazerem os homens para o lar e vivos.

Antes de ver o seu presente, ele parou em Nova Delhi, atual capital da Índia, cidade cosmopolita e de embaixadas, ficou em uma região mais tranquila e arborizada, um pouco distante do caos. Queria aos poucos se habituar ao ritmo frenético de um pais de mais de 1 bilhão de pessoas.

Depois de uma semana em Nova Delhi, partiu para Pushkar, cidade onde se vende camelos, ver o tão aguardado presente, o camelo.


Pushkar tem um ritmo, tão intenso quanto em qualquer lugar na Índia, muito colorido e musical, pode-se observar o olhar milenar de cada habitante, penetrando a alma dos menos avisados, um choque cultural, tanto no tato de sentir o espirito milenar, quanto no paladar de especiarias, picantes.


A alimentação nesta região é um capitulo a parte, dando ainda mais vida nesta saga, cada refeição oferecida era uma festa para aos sentidos, de primeiro a visão, considerada também o senhor dos sentidos, os olhos se espantavam e se admiravam com o colorido dos talis (pratos) todos ricamente decorados, em um arranjo de detalhes se assemelhando a uma mandala que convidava o outro sentido, não menos menor nesta escala, o tato, que vinha com um pouco de relutância para desfazer a mandala, as mãos tinham que ser purificadas e o coração aberto, quando o coração se abriu feito uma porta ao êxtase, o olfato se embriagava ao sentir o aroma, servindo de ponte em uma ligação, das mãos para boca, enriquecendo ainda mais o paladar que transportava a alma em uma nostalgia não vivida, a um tempo de encantos e magia. As iguarias oferecidas pelos nativos, que os sentidos se deixavam levar em uma viagem, se aprofundou mais nos cinco sabores clássicos, como o doce, o salgado, depois vindo do fundo o azedo e o amargo, para não deixar dúvida, na sequencia vinha arrebatando o picante, subindo o calor e escondendo um sabor enigmático, o adstringente. Completa a experiência sensorial, uma maior ainda estava por vir, a extra-sensorial, levando mais perto do panteão de deuses da Índia.


Depois de achar que tinha tido uma experiência mística, de todos os sentidos e outros mais profundos, pensou ele - que poderia vir? Nada tinha começado, ou apenas uma ponta do véu se levantou, muito teria por vir, principalmente a sua herança, o camelo prometido.


Na feira foi procurar o senhor Shankar, um senhor proprietário de camelos, vindo de uma família da casta de comerciantes e uma sub-casta de comerciantes de camelos, a família tinha convívio íntimo com camelos, diziam que sabiam até os pensamentos de seus afortunados camelos, era a familia mais respeitada da região, e estava nas mãos deste senhor o futuro camelo e companheiro de viagem.

Estes animais que a primeira vista são simpáticos e pacatos, vivem em média de 25 a 35 anos, eles são uma das principais fonte de renda para os nativos locais, principalmente quando ocorrem as feiras que reúne pessoas de toda a Índia e do oriente próximo. Os camelos são muito resistentes ao deserto e são excelentes companheiros, mas nem todos são simpáticos e pacatos, são também temperamentais, ao olhar para uma pessoa, eles demonstram o afeto, se eles gostam ou não gostam da pessoa, eles desenvolveram uma maneira muito peculiar de mostrar a simpatia pela pessoa e ao mesmo tempo, acaba sendo uma defesa usada quando se sentem ameaçados.


Ele não conhecia nada de camelos, alguma matéria ou curiosidade lida, mas na prática como seria? Seria um desafio, ele estava tão longe de seu país e com uma herança quase em suas mãos, não recuaria, no fundo queria um companheiro de viagem, mas um camelo?! Um companheiro como este, seria bem diferente dos companheiros convencionais de viagens, algo inusitado, muitos camelos seriam, talvez melhor que muitos companheiros humanos.


Foi difícil encontrar o “tal” do Shankar, perguntando para um e para outro, muitos não entendiam o inglês e o nome Shankar é bem comum naquelas regiões, sabia também que o seu sobrenome é Singh, mas Singh é o sobrenome de todos naquela região, uma espécie de imensa família, seria mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha que encontrar o Shankar. Não foi fácil, mas de tanto perguntar, e insistir o camelo passou pelo buraco da agulha, foi assim que ele chegou ao senhor Shankar. Tudo poderia ser mais fácil, mas a vida é caprichosa e tem lá os seus motivos.


Senhor Shankar é um senhor de muita simpatia, além de ser um comerciante nato, assim que se conheceram, o senhor Shankar lhe ofereceu um chai, um preparado de chá preto com leite e especiarias, para mostrar o quanto estava cortês com seu cliente. Depois de tomar o chai, conversaram sobre a vida, sobre a Índia e Brasil, suas semelhanças e diferenças, quando chegou a hora de conhecer o mais novo companheiro, lembrando que ter um camelo, não seria nada igual a ter um cachorrinho ou um gatinho, era um camelo, um animal imenso. Na conversa, ele pediu para o senhor Shankar ensinar um pouco mais sobre este animal, saber como manter e dar ordens, ele teria o tempo necessário para aprender o essencial.


Ele foi ver os camelos disponíveis e teria a tarefa de escolher um, aquele que mais simpatizasse consigo, tinha que vir da alma, uma intuição, pois não teria outra maneira.


-Não sei qual escolher, pois todos são parecidos, foi quando viu um, no canto bem sossegado e mascando uma espécie de goma.


O bicho estava sentado e ao vê-lo levantou-se, primeiramente as patas de trás para num solavanco subir a parte dianteira, sentiram uma empatia grande um pelo outro, ou parecia isto, ao vê-lo, achou muito engraçado a sua maneira de ficar mascando, e enchendo a boca, no primeiro momento sorriu e para no segundo momento sentir um puxão, sem entender nada, viu o camelo dar uma grande cusparada, o animal estava se preparando enchendo a boca com uma baba gosmenta e de aroma nada agradável, poderíamos dizer, um fedor insuportável, esta é a maneira peculiar dos camelos demonstrar o quanto não gosta das pessoas, naquele momento ele não era querido, se o camelo acertasse o seu novo amigo, teria ele que jogar fora as roupas e tomar um banho, mesmo assim o cheiro fétido teria ficado por uns dias.


Senhor Shankar, foi solícito ao ajuda-lo e foi logo mostrando um outro camelo, talvez um pouco mais amistoso, mas o desfio estava lançado, serio o próprio que ele ficaria, senhor da cusparada certeira, senhor da boa mira. Logo lhe veio o nome do camelo – Cabelo, o camelo.


Nos primeiros dias deixou Cabelo, o camelo, junto com os outros, visitando e familiarizando com o animal rebelde, sempre que Cabelo, o camelo olhava e mascava, ele ficava esperto e saia da frente, eles teria que passar mais horas juntos, e cada vez mais chegando perto, a cada visita, conquistando a confiança do bicho.


Com o passar do tempo, ele e o Cabelo, o camelo, foram ficando mais chegados, mesmo o animal tendo recaídas, ou vontade de dar cusparadas, ele sempre se esquivava da mortal baba, estava cada vez mais ligeiro.


Depois de alguns dias de adaptação e convívio, os dois deram o primeiro passeio, ele já tinha passeado com outros camelos, aprendendo a arte da montaria destes imensos animais. O que mais impressionava nesta relação, era que quando ele olhava para o Cabelo, o camelo, via o tio querido, talvez o motivo de ele estar vendo o tio, era que o tio foi o responsável pela aproximação dos dois, era a ponte entre ele e o Cabelo, o camelo. Neste passeio, Cabelo, o camelo, relutava em caminhar, até tentava morde-lo sem êxito, tentava cuspir, sem êxito, mas andando do lado de outros camelos, foi aprendendo como ser uma montaria e não criar problemas.


Neste primeiro passeio teve um incidente. Quando ele relaxou, Cabelo, o camelo, aproveitou a situação e partiu em disparada, Sankar que estava um pouco a sua frente não viu quando Cabelo, o camelo, levando ele, se foram para o mais além do deserto, quando Sankar percebeu foi tarde, logo a noite caiu, parecia uma cortina, com se a natureza apagasse a luz do sol.


Estavam os dois perdidos no deserto, o terror lhe veio, mas teria que confiar no animal que se rebelara, essa era hora de ser mais companheiro, mas Cabelo, o camelo corria muito até que ele caiu da montaria e desmaiou. Foi acordado na manhã seguinte sentindo um cheiro estranho, era uma gosma, baba fétida, era Cabelo, o camelo dando umas lambidas, voltara para acordar o amigo, sentira a falta do companheiro, selando definitivamente a amizade entre os dois, uma dupla inseparável. Ele levantou logo e com uma cara de azedo, por causa do cheiro. Subiu no Cabelo, o camelo, deixando que o seu companheiro o guiasse, não teria outra opção, senão confiar, agora ele estava de mãos atadas e a confiança seria a melhor solução, estava aprendendo esta lição em pleno deserto e de um camelo, mas não de um camelo qualquer, era Cabelo, o camelo, que era o reflexo do tio.


O animal se tornara um raio e de volta para a cidade, os dois foram recebidos com festa, pois o senhor Sankar disponibilizou alguns homens para procura-los e alertou toda a cidade sobre o desparecimento, e quando os dois voltaram, toda a cidade jogaram flores e aplaudiram, e com muita pompa, os dois desfilaram orgulhosos pela cidade, que os receberam como heróis.


A saga continua...


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A gênese de mim por mim


Eu não lembro, mas outro dia estava pensando: e se eu lembrasse? E qual o motivo da maioria das pessoas não lembrarem da própria concepção, gestação e nascimento? Será que não é tão importante? Claro que é... Então conjecturei: Qual seria a minha gênese? As perguntas vinham e não iam embora, até que dei um basta e criei a minha criação, me tornei um criador de mim mesmo. Nasci dos sentimentos mais profundos do meu ser.

E tudo começou com:
Era uma vez... Em um dia qualquer no calendário do infinito, voando nas redondezas do universo, sentei em um asteroide para descansar, eu era um anjo, talvez, ou quase isso, sei lá, só sei que voava, deslizava nas alturas, foi que olhei as profundezas do universo, e me saltou um pensamento, um tédio, todos aqueles passeios, toda aquela plenitude, estava me cansando, queria algo mais emocionante, estava tudo tão bem e feliz, tinha que ter um pouco de tristeza, de melancolia, uma certa nostalgia, mas a alegria era imensa e fui me irritando, até que tive a brilhante ideia: vou nascer.

Não foi fácil, tive muitas dúvidas, primeiro onde e depois quem seriam os meus pais.


Voei pelas galáxias, pelas constelações, pelos planetas, já ia me cansando, quando parei perto de uma planeta azul, que fica perto de uma estrela, do alto o planeta azul era lindo, o acaso me fez descer a este planeta e fui ter com os responsáveis, para deixar morar neste planeta.


Eles me alertaram sobre o caos no mundo das pessoas, elas não se entendem, são loucas, vivem correndo, não tem tempo para nada. Fiquei assustado, mas eu era um anjinho teimoso, queria correr o risco, era só por uns tempos, iria sentir saudades dos dias felizes, mas depois de uns anos estaria de volta, satisfeito pela experiência na terra, eu sei que perderia a liberdade de voar. O poeta Fernando Pessoa, que também um dia teve a teimosia de nascer disse: “Tudo vale apena se a alma não é pequena”, a minha não era pequena, e estava disposto a entrar nesta encrenca.


Este lindo planeta era conhecido como Gaya, mas muitos chamavam de Terra, achei estranho, pois do alto via mais água que terra, vai entender este povo. Voei e vim parar em lugar que se chama Brasil, aí começou a confusão, eu estava no planeta terra ou no Brasil? Me disseram que os habitantes se dividiam, se fechavam em fronteiras e até disputavam territórios com os semelhantes, me dissera que existia idiomas diferentes para cada território. Estava ficando complicado, que povo estranho, eu pensei.


Sou teimoso e estava decidido: vou morar no Brasil, pois diziam os entendidos do planeta, que o Brasil é um pais em que as pessoas adoram festas, tem um tal de carnaval que todos param, tudo para, dias de festas, em alguns lugares até um mês, neste carnaval as pessoas ficam dançando, cantando, tem muita gente boa lá no Brasil, o clima é ótimo, não tem terremoto, não tem furacão, não tem vulcão, mas tem péssimos administradores, pois é, nada é perfeito. Tive um grande argumento que iria mudar tudo: vou ser anarquista e nem dar bola para eles, faço a minha parte, e o resto, era o resto. Estava decidido, vou para o Brasil.


Depois de escolhido o planeta, o país que iria morar, e os pais, quem seriam?


Fui atrás de um casal feliz, que tivesse harmonia, foi difícil, quase impossível, mas estava decidido. Deixei de lado a ideia de casal feliz e harmônico, percebi que poderia até deixar de lado a ideia de casal.


Vou nascer, já estava impaciente.

Encontrei um casal cheio de promessas de felicidades, de renovação, estavam apaixonados, tão distantes do mundo, que me comovi e fiquei com eles, eles seriam os meus genitores.


Nasci de um orgasmo, nasci do prazer, do encontro de duas pessoas, de duas vidas para gerar uma nova vida, era o meu começo dentro de um ser, de uma fêmea, de uma mãe, e eu era tão pequeno, uma célula quase invisível, sentia uma alegria diferente da que eu sentia no universo, era um outro universo, um oceano sem fim, fui crescendo e o lugar foi ficando cada dia mais apertado, escutava sons que vinham lá de fora, fazendo um eco, nesta época eu era um dorminhoco, queria dormir, mas era um tal de falar lá fora, sentia mãos na parede de meu habitat, então eu dava chutes, para ver se eles paravam com tanta "falação", desisti e fiquei lá em meu universo, em meu oceano.


Crescia rápido, o lugar cada vez mais apertado, pensei em fazer uma reforma, uma ampliação no cômodo em que eu estava. Tive a brilhante de me virar, que do brilhante virou arrependimento, senti que estava de ponta cabeça e sem me mexer direito, o arrependimento me veio, queria voltar a minha morada no universo, lá nas alturas voando, mas era tarde demais, já estava feito, não tinha volta, entrei em desespero, o medo me veio. Tive que me conformar e até me sentia feliz novamente.


A situação foi mudando novamente, agora era de conforto, de proteção, sentia ondas de calor lá fora, queria ficar mais tempo naquela morada, a vida era tão boa, foi então que veio o sentimento que estava sendo expulso de meu lar, de dentro de minha mãe, foi rápido demais, quando me toquei estava do lado de fora, com frio, com fome, desprotegido, exposto ao mundo que por teimosia queria estar.


Assim começa a minha jornada fora do útero, templo feliz de meu ser, tenho saudades do tempo em que eu era feliz.


Ninguém está satisfeito e fui viver no mundo das pessoas insatisfeitas, no mundo das complicações, mas já é uma outra estória, um dia voltarei às alturas e darei boas risadas da minha vida no planeta de pessoas complicadas, gostei tanto que acabei sendo complicado também.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Minha vida em três tempos


Outro dia eu vi pela televisão um curso, não era um curso qualquer, era para modelos, tipo de curso que não me interessa, então peguei o controle e quando o dedo estava pronto para apertar o botão, atrasei a minha vontade de mudar. Neste curso ensinava ao futuro modelo algumas maneiras básicas para ser um bom modelo, mas o que me chamou a atenção é que o futuro modelo tinha que fazer tudo em três tempos. Como assim? Por quê? Para ser notado, no caso de um olheiro, um caçador de talentos aparecesse, achei engraçado e sem propósito, mas faz parte do mundo dos modelos, respeitei.

Como será viver em três tempos? Seria uma vida ritmada, uma valsa, porque valsa tem três tempos também, qual será a razão? Será um número mágico? Por que não dois tempos? Comecei me questionado, mas no curso não respondia as minhas dúvidas.

Soltei a imaginação e vi uma vida em três tempos, andando, conversando e até comendo, foi se abrindo um mundo diferente no meu pensamento, outra dimensão, se a moda pega estaríamos perdidos. Dormi pensando no assunto.

Acordei pensando no assunto.

Meu único pensamento era a vida em três tempos. Acontece de vez em quando comigo e eu acredito que acontece muito com as pessoas, ficar com um pensamento fixo, acontece muito com algumas músicas, ficamos cantando o dia inteiro, sem notar, as pessoas ficam olhando, uns até arriscam uma piadinha: “ta feliz hein!” e você não está feliz, pelo contrario você está infeliz, pois não é a música que você gosta, ou mesmo não suporta, tenta esquecer, em vão, a bendita te persegue o dia inteiro na cabeça, um suplício.

Eu estava assim com os meus três tempos, não parava de pensar e estava agindo estranhamente, passava a mão no cabelo, virava e olhava o relógio, mesmo não tendo relógio, mas fazia parte dos três tempos. Abria o livro, virava e fechava o livro, ou pegava a comida, abria a boca e mastigava, tinha que mastigar em três tempos, foi ficando obsessivo, não conseguia me livrar destes ciclos de três.

Tentei disfarçar, ser o mais natural, foi em vão, começaram a me notar, era verdade, eu era notado, mas as pessoas nem me perguntavam a razão, a princípio era divertido.

Muitas vezes eu vi depoimentos de pessoas que tem gagueira, antes não eram gagos, mas começaram imitando os amigos gagos e então ficaram gagos e nunca mais se livraram, se eu acreditasse em maldição, diria que é uma maldição dos que eram gagos. Eu estava em um tipo de gagueira em três tempos, tinha zombado dos que agem em três tempos e agora eu era um.

Fiquei preocupado.

Deveria ter um tratamento para os que sofrem deste mal, deveria ter até uma associação dos três tempos anônimos, fui para internet atrás de respostas e nada, seria eu um pioneiro nesta nova modalidade de doença do século XXI. Não encontrei nada sobre o assunto. Encarei como algo comum.

Não dava para encarar com naturalidade, estava sofrendo, não conseguia me livrar dos três tempos, poderia perder meu emprego, amigos, esposa, filhos, tudo que tinha conquistado, só porque achei curioso os “três tempos”.

Tentei medicamentos, nada. Tentei o álcool, melhorava, mas quando passava o efeito, ficava pior.

Passei pelas principais as religiões em busca de uma solução e nada. Fiz mandinga, promessas, talvez seja melhor o exorcismo, desisti da idéia.

Certo dia eu acordei e não tinha mais a “maldição dos três tempos”.

Aliviado, pois tinha de volta a minha vida como era antes, não era notado pelos meus amigos e família. Senti um profundo vazio, uma certa saudade, do tempo que convivi com os meus “três tempos”. Tudo tinha voltado ao normal, as pessoas foram me deixando de lado, não me achavam esquisito, não era mais motivo de piadas e comentários. Fiquei normal novamente, ninguém me notava, fui ficando triste, deprimido, dormindo a base de calmantes, tendo pesadelos de uma pessoa normal. Quem passa pela anormalidade raramente quer voltar a ser normal.

Queria ser como eu era, “anormal” com os três tempos, fiz mentalizações, tentei forçar a barra fazendo tudo com três tempos, não era a mesma coisa, tentei fundar uma associação dos normais anônimos, aqueles que queriam muito ser anormais, tudo em vão, quando se é normal tem que ser normal.

O tempo foi passando e me acostumei com a normalidade, pois de vez em quanto tinha algumas recaídas, eu era um normal com uma boa dose de anormalidade, lembrança do tempo em que eu era impulsionado pelos três tempos.

Que atire a primeira pedra quem é normal. Provavelmente Cristo teria dito estas palavras se ele conhecesse a vida em três tempos.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A Pizza, meu troféu






O segundo dia no apartamento novo foi no mínimo bizarro.

Cheguei tarde da noite depois de ter ido ao parque e ficar esperando a chuva passar em um shopping, como não passava fui na chuva mesmo.

Na alegria de morar perto de um parque, peguei a minha bicicleta e fui até lá. Sem ter dado importância a previsão do tempo, fui surpreendido no caminho de volta para o acochego do lar por um toró, destes que deixa cidade um caos. Não pude me proteger, ficando muito ensopado e também com muita fome, pelo desgaste das pedaladas.

Cheguei sujo e cansado.

Queria dar um basta na sujeira e no cansaço com um banho quente, daqueles que remove a sujeira e renova a bateria, muito bom para relaxar, faltava resolver a fome, que já estava me matando.

Depois de banho tomado vesti uma roupa limpa e desci para comprar uma mini pizza em um restaurante pertinho, pois ainda chovia. Fui até o restaurante que mais parecia padaria, para reconhecer o ambiente, nos dias anteriores eu passava e olhava para dentro, muito curioso, finalmente chegou a minha oportunidade.

Fui até lá... cheio de preguiça.

Entrei e percebi que não iria ficar muito tempo, pois a música não me agradava, estava muito alta e não era o meu estilo predileto, me aborreceria com certeza, vi uma neblina que pude perceber pelo o aroma que era cigarro, todos fumavam, menos uma que era uma criança. O cheiro de cigarro me entupia as vias aéreas, resultado - comecei a espirrar, não seria nada agradável, queria relaxar e não me estressar.

Fui ao caixa fazer meu pedido, queria uma pizza, um brotinho sabor napolitana. Antes de prosseguir a narrativa gostaria de explicar que os ingredientes são: molho de tomate, mussarela, parmesão, rodelas de tomate e orégano. Todos esses ingredientes era fácil de perceber, pois era fácil de ver.

Quinze minutos depois, vi um rapaz sair da cozinha, pensei que era minha pizza pronta, ele saiu e foi cortar a mussarela e parmesão, entrou logo em seguida na cozinha.

Enquanto esperava fiquei observando o local, cada vez mais ficava espantado com a quantidade de fumante, parecia um festival tabagista, eu que estava no recinto, fui esperar do lado de fora. Do lado de fora, senti um cheiro estranho, que vinha de mim, era eu, todo defumado, me senti um bacon. Mais quinze minutos, o mesmo rapaz saiu, pensei que era minha pizza pronta querendo ser comida, feliz vi que a minha felicidade ia embora, pois o rapaz que saiu, foi logo pegando o tomate, eu sabia que era a minha pizza sendo feita aos poucos e com muita paciência, mas quem tinha que ter paciência era eu que estava um tempinho, de no mínimo quarenta minutos, coloquei todo meu aprendizado de relaxamento e fiquei fazendo a única coisa que eu poderia fazer esperar.

Quentinha e cheirando bem, peguei a minha rara pizza napolitana, a fome estava no auge, poderia aguardar uns minutos mais.

Feliz e vitorioso com o meu troféu conquistado as duras penas e com muita paciência, passei pela portaria, o rapaz me chamou a atenção:
- O senhor comprou no restaurante ao lado?
- Sim, respondi com curiosidade. Por quê?
- Não é muito confiável, uma moradora viu a falta de cuidado com a higiene.

Agradeci a dica atrasada e fui saborear a pizza, seria um desaforo, depois de tudo, recusar em comer a não confiável pizza.

sábado, 4 de setembro de 2010

UM CACHORRO CHAMADO HALF




Alguns anos atrás eu escutei falar de um cachorrinho e que mais me chamou atenção, não sei por que foi seu nome, talvez comum, mas para um cachorro não, seu nome é Half ou Ralf, (H)Ralf Luis. Finalmente eu tive o prazer de conhecer este cãozinho, escreverei sobre nosso encontro.

Antes de tocar a campanhia do apartamento, escutei latidos de um cachorro que parecia nervoso, a própria campanhia do apartamento era o latido do cachorro, nem precisava tocar a campanhia, logo em seguida a porta se abriu, dentro do apartamento surgiu um cãozinho simpático que veio correndo para minha direção, parou assim que me viu como se uma parede invisível nos separasse, provavelmente em seu pensamento canino eu fosse uma outra pessoa que o seu farejar lhe pregou uma peça, talvez resíduo de uma saudade que o vinha perturbando por mais de duas semanas.

Ele me olhou e desviou seu olhar, então pensou: "como pude ser enganado pelo faro?", Seria este seu pensamento se pensasse como humano, acho eu.

O latido foi diminuindo e dando espaço a uma curiosidade canina, foi chegando mais perto de mim tentando descobrir um cheiro diferente dos habituais, só que ele foi muito rápido e encostou o focinho em mim, sem premeditar, não sei quem se assustou, eu ou ele. Fizemos amizade logo, parecíamos velhos amigos que iria botar a conversa em dia, mas o diálogo não veio, vieram sim alguns disfarçados olhares, pois eu não falava sua língua e ele não falava a minha, me senti conversando com um russo e ele com dálmata da Noruega.

O papo foi ficando cada vez mais monótono, sem interesse na conversa que se arrastava, ele me deixou e foi ao que interessa, buscar uma outra distração, um pano de chão babado, que por algum momento tinha esquecido, deixando para receber a visita que era eu.

O pano que nem pra chão servia era sua principal distração, ou seja, a única, me contaram depois que aquele pano babado era uma camisa de pijama toda furada, que talvez tenha pertencido a um refugiado de guerra do oriente médio, pude notar, depois de muito esforço e imaginação que pude perceber que os furos não eram de guerra nenhuma, eram os seus dentes caninos, que meu mais novo amiguinho conseguiu furar em seus momentos de diversão.

O nome de nosso herói é Half ou Ralf, depois vim a descobrir que a primeira letra de seu nome é com "H", como em inglês.

Depois que tudo foi esclarecido, principalmente sobre o pano, ele foi brincar com seu pano babado de estimação que outrora era um pijama ou de um refugiado de guerra, ele se foi para um canto reservado do apartamento, na qual ninguém o perturbasse em seu tempo dedicado a sua terapia, uma espécie de meditação espiritual, que só os cães de sua raça conheciam, nos deixando sossegados para conversar, logicamente sobre ele.

Primeiro ele arma o circo, para nós. e depois ficarmos falando sobre a atração principal, Half.

Half em inglês significa metade, ele poderia muito bem ser o cão metade, sua raça favorece, porque parece ser metade de um cachorro, mas de metade ele não tem nada, ele vale por muitos de muitas raças.

Começamos a ver um filme, deixando o Half com seu pano predileto alguns metros de nós, para ele não tinha graça a gente assistir o filme e não falarmos dele ou brincarmos com ele, então veio em nossa direção com a maior tranqüilidade, ficou como se estivesse entendendo o filme, com a maior inocência veio para meu lado e colocou a sua cabeça nos meus pés, repousando como se estivesse muitíssimo cansado.

Meio hora de filme ele subiu um pouco mais, mais meia hora um pouco mais a cima, quando fui ver tinha chegado tão perto que ele se recostou sua cabeça em eu ombro. Pedi com muita delicadeza ao meu anfitrião canino que me desse licença, pois estava muito perto, ele me deixou, mas continuava ao meu lado.

Quase duas horas de filme, o Half quieto, foi quando percebi um movimento e senti alguma coisa se mexendo em meu bolso, pude perceber que o Half mexia em meu bolso, precisamente em um papel que estava em meu bolso, metade na boca do Half, ainda bem não era nada importante somente um papel, o cãozinho foi muito amoroso comigo deixando a metade do papel.

Não deixando mais o Half mexer no meu bolso, ele ficou irritado, queria mais, queria brincar, pois tinha muita energia e queria de toda forma queimar esta energia acumulada, percebi que eu era o alvo, então latiu muitas vezes para mim, chamando a minha atenção, brinquei com ele para não fazer desfeita, pois ele era o anfitrião e eu o seu convidado, não teve remédio brinquei um pouco.

Quando ele se cansou de brincar, estava na hora de ir embora, ele que tudo percebia, correu para a porta, me acompanhou até a portaria. Tenho certeza que eu ganhei um amiguinho e ele pode ter certeza que sou seu amiguinho também.