Nos anos oitenta, eu trabalhava em uma loja de
roupas na Rua Barão de Itapetininga, perto da Praça da República, um lugar
pitoresco que outrora era conhecido como a “boca do luxo”, perto da “boca do
lixo”, mas na época em que eu trabalhava na “Barão”, era conhecida apenas como
a “boca do lixo”, esta unificação das bocas era pelo fato do centro ter virado
um lixo, um abandono dos políticos da cidade, pois a atenção era para outras
regiões mais nobres da cidade.
O centro da cidade de São Paulo, além da poluição
latente e o cinza que decorava os arranha-céus, outro grande detalhe era a
notável pressa das pessoas, corriam para ir ao trabalho, corriam para almoçar,
para lanchar e para ir embora, sempre estavam atrasadas, correndo atrás do
tempo, suas vidas eram ajustadas com os ponteiros dos relógios, nunca tinham
tempo para nada e deixavam a vida para depois.
Eu acabava me divertindo com as figurinhas
carimbadas que por felicidade eu conhecia pessoalmente ou por observar. Desde
aquela época eu tinha interesse nas crônicas desta cidade que não para nunca.
Destas figurinhas carimbadas, me lembro com
saudades de uma figurinha em especial, a de um amigo, ele era uma figurinha
rara, destas figurinhas que só ouvimos dizer e que duvidamos que exista
realmente. Ele um eletricista de mão cheia e seu nome Cantuária. O Cantuária,
além de excelente profissional, era uma ótima companhia, gostava de um bom
papo, ele, morador do bairro do Pari, vinha com várias estórias divertidas de
sua juventude no bairro, mas nem tudo era divertido na vida deste amigo, ou na
vida dos seus amigos.
Certa vez um outro eletricista, um grande amigo
do Cantuária apareceu na loja e estava um tanto cabisbaixo e nos falou:
- Tenho uma notícia triste para todos.
Ficou o suspense no ar.
- O que foi? Todos falaram em uníssono.
- O Cantuária faleceu!
Todos ficaram comovidos com a notícia, logo o
“Cantu”, essa era à maneira de seus amigos mais chegados o chamarem. Gostaria
que os leitores entendessem, todos tinham o direito de morrer, mas o “Cantu”
não.
A comoção foi geral, mesmo aqueles que não
conheciam o Cantuária, ficaram tristes, pois ele era uma lenda viva, agora
morta, na loja.
Recolhemo-nos em luto em memória do amigo
“Cantu”, estávamos realmente tristes.
Lembro-me que o seu grande amigo, começou a
fazer o trabalho da parte elétrica na loja.
Todos queria saber, quando e a causa do
falecimento, mas infelizmente seu amigo, e digo mais, eles eram grandes amigos,
não sabia nos dizer com detalhes, também soubera de terceiros o triste fato.
Passado um ano, todos na loja superaram a dor da
perda de um amigo querido.
Um ano depois, às vésperas do natal, a loja
abarrotada de pessoas, uma loucura, onde quem estava fora não entrava e quem
estava dentro quase que não saia, e toda esta loucura era para comprar os
presentes para os entes queridos. No ponto alto das vendas, quando estávamos
todos ocupados em mostrar, embrulhar, cobrar e entregar as roupas, todos
escutaram um grito.
- Meu Deus! Era o grito estridente da vendedora
que ficava perto da porta, logo em seguida ela caiu desmaiada.
- Corremos para acudi-la e ela estava pálida,
parecia ter visto um fantasma, e foi isso que ela falou apontando para a porta.
Era o Catuária, o nosso “Cantu”, ou alguém muito parecido, um irmão gêmeo, um
primo distante.
Criei coragem e fui perguntar a este senhor o
quê ele desejava. Para meu espanto e felicidade, era o próprio, vindo do mundo
dos mortos, ressuscitava naquele natal e estava nos visitando.
Ele veio cheio de alegria, era o velho
Cantuária, mais vivo que muitos julgam estar, me deu um abraço e fui logo
perguntando.
- É você mesmo ou um fantasma?
Era o velho “Cantu” vivo.
Contamos toda a estória e soubemos que aquele
grande amigo do Cantuária, era um amigo da onça, ele tinha espalhado a morte do
amigo em dezenas de lugares, para ficar com o trabalho do Cantuária, mesmo
morto o “Cantu” zombava de nós e aquele seu “amigo” desapareceu, nunca mais foi
visto, sempre que encontrávamos o Cantuária, relembrávamos o ano em que ele
morreu, com esta estória cheguei a uma conclusão: amigos nunca morrem.