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Terapeuta de mim mesmo, um forasteiro, estrangeiro e aventureiro da existência que escolheu alguns caminhos e o veículo certo para percorrer estes caminhos.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Minha vida em três tempos


Outro dia eu vi pela televisão um curso, não era um curso qualquer, era para modelos, tipo de curso que não me interessa, então peguei o controle e quando o dedo estava pronto para apertar o botão, atrasei a minha vontade de mudar. Neste curso ensinava ao futuro modelo algumas maneiras básicas para ser um bom modelo, mas o que me chamou a atenção é que o futuro modelo tinha que fazer tudo em três tempos. Como assim? Por quê? Para ser notado, no caso de um olheiro, um caçador de talentos aparecesse, achei engraçado e sem propósito, mas faz parte do mundo dos modelos, respeitei.

Como será viver em três tempos? Seria uma vida ritmada, uma valsa, porque valsa tem três tempos também, qual será a razão? Será um número mágico? Por que não dois tempos? Comecei me questionado, mas no curso não respondia as minhas dúvidas.

Soltei a imaginação e vi uma vida em três tempos, andando, conversando e até comendo, foi se abrindo um mundo diferente no meu pensamento, outra dimensão, se a moda pega estaríamos perdidos. Dormi pensando no assunto.

Acordei pensando no assunto.

Meu único pensamento era a vida em três tempos. Acontece de vez em quando comigo e eu acredito que acontece muito com as pessoas, ficar com um pensamento fixo, acontece muito com algumas músicas, ficamos cantando o dia inteiro, sem notar, as pessoas ficam olhando, uns até arriscam uma piadinha: “ta feliz hein!” e você não está feliz, pelo contrario você está infeliz, pois não é a música que você gosta, ou mesmo não suporta, tenta esquecer, em vão, a bendita te persegue o dia inteiro na cabeça, um suplício.

Eu estava assim com os meus três tempos, não parava de pensar e estava agindo estranhamente, passava a mão no cabelo, virava e olhava o relógio, mesmo não tendo relógio, mas fazia parte dos três tempos. Abria o livro, virava e fechava o livro, ou pegava a comida, abria a boca e mastigava, tinha que mastigar em três tempos, foi ficando obsessivo, não conseguia me livrar destes ciclos de três.

Tentei disfarçar, ser o mais natural, foi em vão, começaram a me notar, era verdade, eu era notado, mas as pessoas nem me perguntavam a razão, a princípio era divertido.

Muitas vezes eu vi depoimentos de pessoas que tem gagueira, antes não eram gagos, mas começaram imitando os amigos gagos e então ficaram gagos e nunca mais se livraram, se eu acreditasse em maldição, diria que é uma maldição dos que eram gagos. Eu estava em um tipo de gagueira em três tempos, tinha zombado dos que agem em três tempos e agora eu era um.

Fiquei preocupado.

Deveria ter um tratamento para os que sofrem deste mal, deveria ter até uma associação dos três tempos anônimos, fui para internet atrás de respostas e nada, seria eu um pioneiro nesta nova modalidade de doença do século XXI. Não encontrei nada sobre o assunto. Encarei como algo comum.

Não dava para encarar com naturalidade, estava sofrendo, não conseguia me livrar dos três tempos, poderia perder meu emprego, amigos, esposa, filhos, tudo que tinha conquistado, só porque achei curioso os “três tempos”.

Tentei medicamentos, nada. Tentei o álcool, melhorava, mas quando passava o efeito, ficava pior.

Passei pelas principais as religiões em busca de uma solução e nada. Fiz mandinga, promessas, talvez seja melhor o exorcismo, desisti da idéia.

Certo dia eu acordei e não tinha mais a “maldição dos três tempos”.

Aliviado, pois tinha de volta a minha vida como era antes, não era notado pelos meus amigos e família. Senti um profundo vazio, uma certa saudade, do tempo que convivi com os meus “três tempos”. Tudo tinha voltado ao normal, as pessoas foram me deixando de lado, não me achavam esquisito, não era mais motivo de piadas e comentários. Fiquei normal novamente, ninguém me notava, fui ficando triste, deprimido, dormindo a base de calmantes, tendo pesadelos de uma pessoa normal. Quem passa pela anormalidade raramente quer voltar a ser normal.

Queria ser como eu era, “anormal” com os três tempos, fiz mentalizações, tentei forçar a barra fazendo tudo com três tempos, não era a mesma coisa, tentei fundar uma associação dos normais anônimos, aqueles que queriam muito ser anormais, tudo em vão, quando se é normal tem que ser normal.

O tempo foi passando e me acostumei com a normalidade, pois de vez em quanto tinha algumas recaídas, eu era um normal com uma boa dose de anormalidade, lembrança do tempo em que eu era impulsionado pelos três tempos.

Que atire a primeira pedra quem é normal. Provavelmente Cristo teria dito estas palavras se ele conhecesse a vida em três tempos.